Quando o Verão abre a porta - Bicho Mau, Lisboa



 “Como quem num dia de Verão abre a porta de casa....” O Guardador de Rebanhos

Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)


Está combinado que o Verão só acontece no dia 21 de junho, mas uma semana antes da hora, decidiu passear por Campo de Ourique


Acho o bairro adorável, familiar. 


A padaria fica onde devia estar, ali, perto de todos, assim como a queijaria, a igreja, o banco, a farmácia ou o mercado. Tudo com o tamanho certo, na esquina combinada. 


Naquele quadrado a conversa é com os vizinhos.


Imensos, mesmo, só o Centro Comercial Amoreiras e a Casa Fernando Pessoa, prédio onde o poeta escolheu ocupar o primeiro andar em seus últimos 15 anos de vida, agora todo dedicado à sua obra. Ali, ainda pode ser visto com o cigarro na mão e café sobre a mesa, lendo Orpheu, no retrato pintado por Almada Negreiros, em 1954. Sua biblioteca particular, alguns de seus objetos e a vida artística da cidade no tempo em que viveu, tão colossais em importância, mereciam mesmo a generosidade do espaço.


Do outro lado da rua, voltando à escala que o bairro gosta, há um bistrô de uns 20 e poucos lugares. Abriu em 2019, mal acelerava, pimba! Foi atropelado por um ônibus chamado Covid-19. 


A beleza e o inferno de um bistrô andam de mãos dadas. Chega um peixe de 14 quilos e é preciso  aproveitar cada pedacinho, da carcaça às ovas, em vários pratos da lousa. Um nobre lombo de porco recebe tanta atenção quanto o seu pé, uma folha jovem recebe tantos cuidados quanto o seu talo duro. Tampouco há assentos suficientes para permitir usar vários legumes, verduras ou carnes num mesmo dia. Num bistrô não cabe descarte e dessa matéria é feito o negócio.


É uma cadeia bonita, feita de gente pequena e dedicada, também no campo, capaz de prestar atenção aos pequenos volumes que requerem. A criatividade, portanto, é sócia. O que houver de fresco – há dias em que há muito, outros em que há pouco – tem de se virar em prato.


Era dia de enxaréu no BISTRÔ BICHO MAU. Chegou gordo de Peniche, com 14 quilos. Veio em fatias com água de pepino, gamba branca (um tipo de camarão comum no Algarve), mirtilos e beterrabas, mas também de outro jeito, que adorei: em lascas levemente defumadas com madeira de oliveira, salpicadas com os verdes da Estação (beldroegas e mostardas), azeite, pimenta e queijo São Jorge com 24 meses de cura.


O vinho, que não podia ter sido mais perfeito, era um Susucaro 2020, rosé natural siciliano, com fruta fresca viva, crespa, divertido como o dia de sol, lá fora. E a companhia? A melhor possível: Miguel Pires (do mesamarcada.com), aqui diante de um merengue italiano cozido no vapor e um sake de ameixa com shiso, oferecido por Tomás e Rita, os proprietários.


Adorei o brioche com a carne de porco, que era especialmente macia e doce, graças à alimentação especial e uma maturação de 9 dias. O contraste crocante e levemente ácido ficou por conta do cole slaw de couve roxa. Muito delicado.


A sobremesa resume a poesia de Portugal: o merengue vem com gel de "lúcia lima" (adoro o nome dessa erva da família da verbena, desconhecida aqui no Brasil, mas tão aromática que merece nome e sobrenome) com calda de morangos do Vale das Dúvidas.  Ah! O batismo dos pratos e vinhos portugueses! Nem precisavam ser bons, mas eram.


A refeição foi simples, saborosa e adequada à Estação, como cabe a um bistrô.


Aliás, Tomás contou que quando esfria, serve faisão. Salivei. Agora o jeito é esperar que o Inverno lhe abra a porta da casa.

BICHO MAU
@bistro_bichomau

enxaréu com gambas brancas,
água de pepino, mirtilos e beterrabas
enxaréu defumado em madeira de oliveira,
com os verdes da Estação e queijo São Jorge com
24 meses de cura

tártaro de maronesa com
chutney de manga e papadams
brioche com porco maturado por
9 dias e cole slaw de couve roxa


merengue com gel de lúcia lima e 
morangos do Vale das Dúvidas



Rita
Tomás



2 comentários:

 

Cristiana Beltrão

Esse blog surgiu da necessidade de organizar dicas de restaurantes, paradinhas, bares, mercados e bebidas ao redor do mundo para os amigos. De quebra, acabei contribuindo para jornais e revistas Brasil afora. Espero que gostem.