Sinto cheiro de estrelas - Les enfants rouges, Paris

A mulher e o pão. Assim começou uma belíssima refeição.
A tarefa de descobrir trufas,  pequenas “jóias” enterradas que em breve valerão muito, cabe a roliças porcas de focinho largo e gosto fino que, desde a Antigüidade, circundam carvalhos e castanheiras farejando tesouros escondidos.

Não tenho faro pra trufas subterrâneas, apesar do que insinua meu nariz avantajado. Tenho, sim, graças a muitos anos trabalhando com isso, um bom faro pra restaurantes que vão despontar.

Desde que comecei a escrever neste blog, várias casas desconhecidas que escolhi colocar aqui – onde só entra o que gosto – terminaram por receber estrelas, críticas elogiosas e altas cotações em rankings relevantes. Não é nenhuma habilidade mediúnica, nem paladar fora do habitual. É apenas o reconhecimento da qualidade “fora da curva”, dada a experiência.

Assim aconteceu com o LES ENFANTS ROUGES, em Paris.

Mosse, delicioso vinho de Anjou. 
100% Chenin Blanc. 100% adequado ao momento...
Este restaurante, assim como o mercado de rua que fica a alguns passos de distância, leva o nome das roupas vermelhas das crianças do orfanato que lá existia no século 16. Eu não estava vestida de vermelho, entrei órfã de expectativas, saí encantada.

Tenho declarada adoração pelo equilíbrio resultante do trabalho de chefs orientais executando a cozinha francesa e não me decepcionei com Daï Shinozuka, principal braço de Yves Camdeborde no Comptoir du Relais, que mostrou todo o seu talento em vôo “solo”, neste pequeno bistrô do Marais.

O menu de 40 euros, que pode crescer aqui e ali com o pedido de itens especiais, foi um dos melhores custo/benefício do meu ano guloso.

Terrine de boudin noir de Yves Camdeborde. 

Comecei com um dos meus “fracos”, daqueles de bambear os joelhos, que pode ser pedido à parte do cardápio base: boudin noir. Aqui, na forma de uma terrine, cercada de legumes em conserva que lhe emprestavam em acidez um necessário contrapeso. Divina.

Em seguida, um dos melhores caldos do ano: uma sopa de caça com creme, azeite e favas de cacau. Não sei qual era a caça, mas a vítima fui eu.

Devia haver um outro nome para este caldo de caça.
Só de escrever, quero outro.


Sua majestade, o frango.
Há sempre a “prova dos nove” do cozinheiro talentoso: o frango. Transformar uma ave cotidiana em algo inesquecível é tarefa para alguém muito habilidoso. Era um gordo exemplar de granja, assado com tomilho e alho, que vinha com cogumelos girolles na frigideira e regado pelo concentrado caldo de lagosta. Absolutamente incrível.

Nunca liguei para “baba au rhum”, uma sobremesa que em 90% das vezes que provei, veio seca e inexpressiva. Felizmente o defeito não era da sobremesa, e sim das execuções anteriores. Estava etérea, deliciosa e delicada.

Baba au rhum. Comme il faut.


Hoje em dia, as pobres porcas vêm sendo substituídas por cães farejadores que, ao contrário de suas amigas vorazes, não lutam pelas trufas descobertas ou tentam devorá-las em seguida. Aviso à concorrência que a coisa aqui não funciona assim. Ao contrário de tanta gente em que esbarro, que se preocupa apenas em colecionar descobertas, saúdo as porcas e a plenitude que uma refeição perfeita e feliz empresta.

LES ENFANTS ROUGES
www.les-enfants-rouges.com
9, rue de Beauce - Paris
+33 1 4887 8061
aberto todos os dias, exceto às terças-feirs
do meio-dia às 2:30pm e das 7pm às 10:30pm

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Cristiana Beltrão

Esse blog surgiu da necessidade de organizar dicas de restaurantes, paradinhas, bares, mercados e bebidas ao redor do mundo para os amigos. De quebra, acabei contribuindo para jornais e revistas Brasil afora. Espero que gostem.