Perdi as esperanças cedo, aos 16, quando minha mãe pediu
berinjela à parmigiana num restaurante francês. Não... ela nunca abriu um
cardápio. A caminho da mesa, sempre antes de se sentar, pensa no desejo do
momento e anuncia o que quer. A partir daí, naturalmente, vem a sucessão de
frustrações “ladeira abaixo” até que o improviso se torne um Frankenstein comestível,
que tenta se aproximar do desejo inicial. Não entendeu? Me explico:
-
“Detesto restaurante japonês” – dizia, ao cruzar
a porta de um. E arremata: – “Quando estava grávida de você, me obrigaram a
provar peixe cru numa festa de cerimônia. Nunca mais consegui.”
A indireta já me imputava a culpa por três desastres: o peso da barriga, dos enjôos maternais e da escolha atual.
-
“Mas tem muito mais do que peixe cru em japonês,
mãe... “ - suspirava, já exausta.
E antes que eu pudesse argumentar:
-
“Tem spaghetti ao alho e óleo? – perguntava ela, de pé, ao garçom.”
“Não senhora, mas temos vários pratos ótimos! Eu
já lhe trago o cardápio.” – enquanto puxava a cadeira, na vã tentativa de fazê-la se sentar.
Mal sabia o garçom que parte da estratégia de guerra de
minha mãe é aumentar a ansiedade da equipe ficando em posição de sentido.
-
“Tem spaghetti, meu filho?” – grunhia,
impaciente, enquanto lhe coloca a mão no ombro, gesto que o rapaz entendia que a
qualquer momento podia virar um “mata leão”.
-
“Temos um zaru soba que....”
-
“Tem o quê?”
-
“É uma massa japonesa fria muito interessante, com
trigo sarraceno que...”
-
“Mas fria? Ah, meu Deus!...De trigo o quê? Não é
macarrão?”
-
“Sim... errr....com molho mentsuyu...”
-
“Então é macarrão, né? Não... não quero esse
molho aí. Não gosto. Faz assim:” – a mão no ombro balança em tapinhas ritmados:
“o meu você traz quente, bem quente; coloca bastante azeite, frita um alho bem
fritinho e me traz. Com um pouco de parmesão à parte, por favor.” – e fecha a
questão, finalmente tomando a cadeira.
-
“Infelizmente...” – (acho que vi uma lágrima) –
“...não temos parmesão e ...” – diz o garçom, com a coluna já pinçada, que nem
cogitou perguntar se podia ser feito no óleo.
Ao final do diálogos, minha mãe sempre se lembra da convenção
de Genebra sobre prisioneiros de guerra e, aliviando o tom, lança um sorriso
compreensivo:
-
“Tudo bem, meu filho... Ah! E a água deve ser
metade com e metade sem gás. Eu inventei isso e agora todos amam!”
Habituada a ver garçons envelhecerem 10 anos em 5 minutos,
senti uma pontada angustiada no estômago enquanto discutia com meus irmãos o
destino da viagem que lhe daríamos de presente pelos seus 80 anos.
O cálculo mental precipitou uma leve enxaqueca: seriam, aproximadamente, 35 refeições - gemi. Para minimizar o prejuízo, dado que 90% dos
pratos que compõem os top ten da lista de minha mãe são italianos, batemos o
martelo: Roma!
Abandonei o caderninho preto, a câmera e a missão de tomar notas de restaurantes que mudam o cardápio com frequência. Decidimos que, com raras
exceções, seria uma viagem de clássicos. Eram todos velhos
conhecidos; alguns muito anteriores à existência desse blog. O clássico pode ser feito de um prato executado por tantos anos que beira perfeição, de um ambiente
ímpar, localização perfeita ou serviço impecável. Não
importa. Saí de cada um deles com muita vontade de voltar.
A verdade é que ao final da viagem, não conseguiria distinguir as escolhas que ela fez das que eu teria feito. Não vi resmungo, grunhido ou reclamação sequer.
Fica aqui a lição importantíssima, com frase gastronomicamente adaptada do filme "When Harry met Sally":
"Quando você se dá conta de que gostaria que uma pessoa [ou um prato] lhe acompanhasse pelo resto da vida, vai querer que o resto da vida comece o mais rápido possível."
Não perca tempo. Viva a mamãe. Viva como minha mãe, e dane-se o resto.
ANTICO CAFFÈ GRECO
A brincadeira começou em 1760 e não dá pra ser mais tradicional
do que isso. Várias salas, quadros, fotos e recortes antigos pelas paredes, mármore
nas mesas e mosaicos pelo chão, onde os passantes tomam seu café da manhã ou
lambem beiços com uma das guloseimas da vitrine na entrada. Túnel do tempo
garantido.
ANTICO FORNO ROSCIOLI
Marco Roscioli descobre um forno antigo de 1824 e decide
fazer pães torturantes que abastecem sua loja, que fica a dois passos de
distância, assim como a fome dos romanos.
O MERCADO NO CAMPO DE’ FIORI
Dos programas mais agradáveis, na minha opinião, para todas
as idades. Perfeito lugar pra fazer hora, comprar frutos, secos ou frescos,
especiarias, legumes e frutas, antes de se perder pelas ruas que se ramificam
da praça que era um antigo centro de execuções. Afinal, nem tudo são fiori.
IL SAN LORENZO
Muito menos no quesito “sou” e mais no quesito “eu serei um
clássico", escrevi sobre o San Lorenzo [aqui] em 2011 e continuo achando que o menu degustação, anos depois, continua sendo o melhor passeio pelo mar que se faz em Roma. Uma aposta num novo clássico, que se reinventa sempre, mas com qualidade que veio para ficar.
CASA BLEVE
E, de quebra, ver a chef circular pelo salão, chinelão e avental na cintura. Adoro. |
Em uma das melhores enotecas de Roma, num ambiente palaciano
e austero, daqueles que não se encontra mais, bebi novidades incríveis
sugeridas pela equipe e.. ora, ora.. comi muito bem.
GIRARROSTO FIORENTINO
Com sorte, você (como nós) pega a época de trufas. |
Para um couvert daqueles de chorar e relembrar tempos que não vivemos, para uma sopa de "pasta e fagioli" como nenhuma, uma
excelente carta de vinhos e uma elegância austera de outrora, sem frescuras.
TULLIO
Para comemorar a festa de São Lourenço, fogueiras eram
acesas por toda a cidade de Florença e vitela era distribuída para a população
na época dos Medici. A carne usada na celebração ainda é encontrada por toda a
região com o nome de “carne alla brace” ou “carne alla griglia”. Mas o termo
ganhou o mundo por conta de um neologismo. Ingleses de passagem pediam um “beef
steak”. E o mundo decidiu: para matar fomes épicas, a solução é BISTECCA! Aqui,
a melhor que encontrei em Roma.
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