Dizem que Madeira é a ilha onde a Primavera
passa o Inverno. A comprovação do ditado se dá dos céus, a minutos de aterrar,
quando da janela do avião se avista a infinidade de frutos e flores que eclodem
do fértil solo vulcânico. A bússola que habita meu estômago guiou meus passos
curiosos. Aos que não acreditam que a gula produza bons guias turísticos, deixo
minha exposição de motivos na forma dos pratos típicos da Ilha e onde
abocanhá-los:
ESPECIALIDADES
MADEIRENSES:
"As uvas de Terrantez, não as comam, nem as dês. Para o vinho Deus as fez." O ditado local foi feito pra mim: vinho maravilhoso pra sorver gota a gota, até o fim da vida. |
VINHO MADEIRA: a exploração começou pelo
centro de Funchal, capital da Madeira (assim batizada por conta do funcho que
crescia na zona). Pra quem não tem tempo de visitar vinícolas mas quer aprender
sobre o vinho, recomendo um tour na OLD BLANDY’S WINE LODGE, construção de 1840
bem no centro da cidade. A Blandy’s é uma das marcas mais tradicionais de vinho
Madeira e lá se pode visitar um lagar do séc.17 e aprender sobre o processo de
fabricação e suas uvas. O aprendiz sai cheio de sede, informações e garrafas.
BOLO DO CACO: Não, não é um bolo. É um pão de origem árabe que deve seu batismo ao preparo: do bolo de massa se faz um disco que é cozido sobre um "caco" de telha (ou pedra) deitado sobre a brasa ardente. Pode ser encontrado em todo canto, dada a sua genial simplicidade. A versão ao lado veio lambuzada com manteiga de alho e ervas.
QUEIJO DE SANTO ANTÓNIO DA SERRA (ou de “Santo
Serra”): requeijão de corte fabricado em Santo António da Serra, a nordeste de
Funchal, cujo sabor lembra o nosso Catupiry, mas tem consistência mais firme e
quebradiça. No restaurante BRISA DO MAR do hotel Reid’s Palace, provei sua
melhor versão, escoltada por redução de vinho Madeira e presunto de Parma. Nos quartos do hotel também toma a forma de uma queijadinha
inesquecível, preparação muito comum na Ilha.
queijo de Santo António da Serra
|
DOCES DE CASTANHA: a subida pelo vale do Curral
das Freiras até o miradouro de Eira do Serrado é um passeio deslumbrante. Do alto se avista o “curral”, refúgio das
freiras de Santa Clara ao ataque dos piratas. Imaginá-las caminhando pelas
ladeiras íngremes, de até 1000m de altura, carregadas de suprimentos é absolutamente
inacreditável. Nas idílicas trilhas do miradouro avistei uma infinidade de
castanheiras, cujos frutos estão presentes em qualquer taberna local na forma
de bolos, doces e compotas.
ESPETADA MADEIRENSE: O primeiro registro
escrito em português da existência de lobos-marinhos deu-se quando os
navegadores Zarco e Tristão Vaz Teixeira chegaram à Ilha da Madeira. Os
animais, até então desconhecidos, foram ali batizados, e a baía onde se
concentravam, ao sul da Ilha, ficou conhecida como "cama de lobos".
Hoje, a belíssima Câmara de Lobos. Pintada por Winston Churchill no inverno de
1950, a costa entre Funchal e Calheta é dominada por escarpas imponentes e
enseadas estreitas e profundas, onde correntes de água das montanhas desembocam
no mar. Depois de explorar o centro histórico do povoado, subi a estrada
sinuosa em direção à ADEGA DO ESTREITO, restaurante conhecido por ter a melhor
versão da ESPETADA MADEIRENSE: nacos
generosos de carne passados no alho e espetados num pau de louro, antes de
serem levados à brasa.
PEIXE-ESPADA PRETO: O peixe, que se
assemelha a uma enguia, é importantíssimo para a economia madeirense e representa
quase 50% das capturas. Sua carne é branca, saborosa e se desfaz na boca. Ao
contrário de outras espécies que ficam ou na superfície ou no fundo do mar, o
espada-preto tem um hábito incomum: durante a noite ou em dias de céu escuro
sai de profundidades abissais e ruma em direção à superfície, como que fugindo
do frio intenso e da extrema escuridão. A descompressão experimentada ao subir
faz com que projete seu estômago boca afora. Ui!
LAPAS: as lapas são os moluscos mais
consumidos na Madeira. São grelhados na própria concha até que se desprendam
dela, e temperados com limão e sal. Em Porto Moniz, no extremo noroeste da
ilha, devorei as conchinhas no restaurante ORCA, acompanhadas de CERVEJA CORAL,
a lager de produção local. Do restaurante se avista um conjunto de piscinas
naturais protegidas por negras rochas de lava, onde se nada ao abrigo das
furiosas ondas do Atlântico.
PONCHA: Nos engenhos da Calheta, a sudoeste
da Ilha, se pode visitar um dos 2 moinhos de cana-de-açúcar ainda em
funcionamento e testemunhar, na Primavera, a cana transformar-se em melado e
aguardente, principal ingrediente da “poncha”. Tão popular para os madeirenses
quanto a caipirinha é para nós, a bebida originária da Índia é feita com aguardente,
mel, açúcar e suco de limão (galego ou siciliano). Cada região da Madeira tem
sua versão, com frutas e proporções diferentes.
BANANA e MILHO: Ao percorrer a Ilha, de
norte a sul e de leste a oeste, as plantações denunciam os ingredientes mais
presentes nas mesas madeirenses. O milho frito (polenta firme em cubos) ou a
maçaroca (milho doce servido na espiga) são par tradicional da Espetada Madeirense e outras preparações de
carne. Já a banana, frita ou assada, escolta a maioria dos pratos de peixe.
RESTAURANTES/MERCADOS:
MERCADO DOS LAVRADORES [Funchal]:
construído em estilo Art-Déco, com um amplo pátio central e várias galerias que
têm de tudo: desde lojas de vinhos a vendedoras de flores em trajes típicos
madeirenses, bordadeiras e um maravilhoso mercado de peixes. Anonas, tabaibos,
mangas-ananás e outros frutos locais são distribuídos em nacos aos passantes. O
mercado é um excelente resumo da produção agrícola da Ilha. Considero
indispensável a visita.
IL GALLO D’ORO [Funchal]: A única estrela
Michelin da Ilha da Madeira pode não ser tão radiante quanto as do continente,
mas vale indiscutivelmente a visita. A proposta do chef Benoît
Sinthon é arrojada. Entre os inúmeros pratos que comi
destaco a delicada entrada de lavagante com gaspacho em duas versões
(esferificado e em gelatina), flor de salsa, aipo em juliana e tapenade, e
ainda um risoto de vieiras espanholas - que chegam fresquíssimas no fim da
tarde para o turno do jantar - com
cogumelos setas e esferificação de parmigiano. O adorável sommelier Sérgio
Marques, que tem mais de 1.000 garrafas de vinho Madeira em sua casa, distribui alegria na forma de harmonizações
perfeitas. Reservar a varanda, disputadíssima, é fundamental.
Estrada Monumental 147, Funchal
+351 291 707 700
Das 19:00hs às 22:00. Aos domingos abre
também das 08:00hs às 10:30hs.
BRISA DO MAR
[Funchal]: Lindo restaurante de cozinha regional com vista de tirar o fôlego no
histórico Hotel Reid’s Palace. Construído em 1891, recebeu a visita de vários
personagens ilustres, incluindo a de Bernard Shaw, Churchill e Gregory Peck. Deliciosos
aspargos locais com sabayon de verdelho e sopa de lagosta e camarões em
aguardente de cana local. Traje elegante (homens de
paletó).
Aberto apenas de
junho a setembro.
Estrada
Monumental 139, Funchal
+351 291 71 71 71
Diariamente, das
19hs às 22:30
DONA AMÉLIA [Funchal]: Uma antiga
residência do séc.19 de onde se avista do segundo andar, junto à janela, os
telhados das casinhas brancas de Funchal. Poesia pura. Fundamental pedir o
Espada-Preto flambé à moda de Pedro I, preparado no meio do salão pela cordialíssima
equipe. Carta simples e cozinha aberta. Adorei.
[não tem site]
Rua Imperatriz D. Amélia 83, Funchal
+351 291 225 784
+351 291 222 504
aberto diariamente.
UVA [Funchal]: O restaurante fica no topo
do Hotel The Vine e vale, principalmente, pela belíssima vista de Funchal e o
ambiente cool, com cocoons flutuantes de cores mutantes na piscina. A cozinha
conta com a consultoria do chef tri-estrelado de Estrasburgo Antoine Westermann.
Apesar disso, a execução tem seus desacertos. Aconselho o cardápio de “sabores
da Estação”, com ingredientes em seu ápice.
Hotel The Vine – Rua dos Aranhas 27,
Funchal
+351 291 009 000
Reservas em dining@hotelthevine.com
Horário de Inverno: 19:00h às 22:00h |
Horário de Verão: 19:30h às 22:30h
VILA CIPRIANI [Funchal]: Uma das imagens
mais emocionantes da viagem foi testemunhar daquela varanda os mil tons de azul
e verde do mar que explodia sobre as rochas, ao cair da tarde. Pratos com
acento italiano como pasta e fagioli e pennete com tomates-cereja, manjericão e
ricota. Traje casual chique.
Estrada
Monumental 139, Funchal
+351 291 71 71 71
Diariamente, das
19hs às 22:30
XÔPANA [Funchal]: restaurante contemporâneo
dentro de um Resort SPA. A música é cool e a cozinha sem pretensões busca a leveza
como convém aos hóspedes. Trouxinha de queijo de cabra com maçã Granny Smith e
frutos secos com redução de vinho tinto; filé de dourado com arroz basmati de
coentros e molho de manga. O ambiente tem pé direito altíssimo, toque oriental
e muita madeira, com amplos janelões que dão para a piscina.
No Hotel Choupana Hills Resort
Travessa do Largo da Choupana, Funchal
+351 291 206 020
+351 291 206 021
ADEGA DA QUINTA [Câmara de Lobos]: A casa de pedra no alto da montanha é circundada pelo adorável jardim da Estalagem do Estreito e também tem a vista privilegiada da vila pesqueira de Câmara de Lobos. Para uma grande farra em torno da Espetada Madeirense, com polenta, banana frita e batata doce com melado de cana.
Na Estalagem Quinta do Estreito
Quita do Estreito, Rua José Joaquim da
Costa
+351 291 910 530
+351 291 910 549
ORCA [Porto Moniz]: Um local despojadíssimo
em que se devora lapas e polvos grelhados, sardinhas frescas e peixes com
legumes e arroz. Carta enxuta, preços idem.
[não tem site]
Rua Engenheiro Americo, Porto Moniz,
Portugal
+351 291 850 000
Que matéria espetacular! A foto restaurante ao lado do penhasco corrobora Hugh Johnson que no seu livro "A História do Vinho" afirma que a ilha possui os maiores penhascos do mundo. Sempre tiv vontade, agora quero ir para a Madeira.
ResponderExcluirJeriel
Que bom, Jeriel! Fico muito feliz com seu comentário. Vá até a Madeira! É inesquecível.
Excluir