Passeio no museu - Atera



“Peraí... deixa eu anotar. Como se soletra isso mesmo? Apteeeenia cordaaaata variegata? É isso? Ah, ok! Também.... conhecida.... como.... alfaaaace creeeespa esmeralda. Sim, tô anotando. Ahã. Repete o que vai naquele caldo? Uma gelificação... sei... de especiarias? E aquela florzinha vem de onde? Que incrível!”

Jantar no ATERA foi como uma visita ao Metropolitan com uma janela de tempo de apenas de 3 horas: há milhares de obras, algumas imperdíveis, e a sensação que resta é a de abraçamos mais do que podemos digerir. Lá pelo sétimo prato minuciosamente descrito, e assim como a entrada no sétimo salão do museu, voltava com atenção póstuma às “plaquinhas” de apenas um ou outro item que realmente me impactava.

O ATERA tem 28 pratos – sim, eu disse 28 – e, como a maioria dos  restaurantes estrelados de hoje, traz um menu longo e detalhes minuciosos que chegam ao nome científico de frutos, flores e sementes, além das técnicas empregadas. O cansaço ficou evidente também no meu caderninho preto, que começou com uma letra bonitinha e descrições detalhadas como as do primeiro parágrafo e terminou com a anotação do ingrediente principal, como: “wagyu”, “hake” ou ovo.

O ambiente é pequeno e agradável, embalado por músicas que vão de Elton John aos Beatles. O charmoso balcão de 13 lugares – além de uma mesa destacada de quatro –  encanta pela produção frenética diante dos olhos e pela concentração ímpar da equipe que, em movimentos rápidos e poucas palavras, monta poesia comestível.

O visual de cada etapa, apoiado nas técnicas da cozinha molecular, é lindo, simplesmente lindo, assim como os utensílios utilizados. Deixo aqui, no entanto, minha humilde opinião de que a “esferificação” de um ingrediente jamais fará mais pelo comensal do que o próprio ingrediente. Dito isso, comi alguns pratos memoráveis.

Os que pude anotar:

Sopa de soja fermentada com pignoli e ouriço.
O levíssimo macarron com creme azedo e ovas de esturjão americano.
Biscoitos de linhaça com coentro e manteiga de pignolis.
Rolinhos de lagosta com merengue de fermento seco.
Cannoli St. John, feitos com banha de porco e queijo.
Falso ovo de codorna esferificado recheado com creme de amêijoas.
As  “navalhas” – o marisco – de mentirinha, onde até a casca é comestível.
Biscoitos crocantes excelentes feitos de malte.
Barriga de peixe espada disfarçada de lardo.
Vieiras divinas com folha de repolho fermentada e clatonia perfoliata (alface I).
Fluke, o peixe, com cebolas em barbecue e aptenia cordata variegada (alface II).
Tartare de cordeiro com crackers de malte. Simples e excelente.
Legumes crus com molho de pastrami e coração de pato.
Caldo com massa falsa feita de lula moldada em imensos fios e pacotinho gelificado de especiarias que se dissolvia no bouillon – muito bom.
Merluza marinada, iogurte, mel silvestre e flor de morugem.
Salsão assado com merengue de cogumelos e trufas brancas de Alba – infelizmente fora da estação e sem gosto.
Pombo assado, grãos e seu fígado moldado como amendoim na casca. Um dos meus preferidos, com florzinha de oxalis articulata (não disse?)
Wagyu de Nebraska, com semente de trigo tostada e espinafre de Bordeaux.

E apesar da técnica molecular permitir que tudo vire sorvete, eu dispensaria ao menos uns 3 deles:

Sorvete de pêra asiática com favo de mel.
Sanduíche de sorvete de baunilha com amêndoa, com aroma de Bourbon.
Sorvete de leite cru com gelo de fernet branca.
Ovo de sorvete de queijo de cabra, com geléia de gema.
Churro de raiz de salsify com canela e cardamomo branco.

O serviço de salão e vinhos foi impecável, com a equipe pronta pra soletrar cada um dos ingredientes e bebidas oferecidos.

No fim da noite, a lembrança dos bons pratos vem com o infeliz apêndice do excesso. Mais do que uma bela descrição, o que sobra na memória é tão somente a emoção que a experiência nos empresta.

ATERA
www.ateranyc.com
77, Worth St., NY
212.226.1444
Fechado às segundas e no domingo
de terça a sábado, das 18hs às 21:30hs.





Crus com molho de pastrami
e coração de pato.
Massa falsa de lula e
"gelificação" de especiarias.
Vieiras com repolho
fermentado.
Pombo com grãos e
seu fígado na forma de um
amendoim.
Sorvete de queijo de cabra
com geléia de gema.


1 comentários:

  1. Você fala do cansaço em anotar tudo...neste caso, não seria bacana ligar o gravador do iphone e ir fazendo suas anotações no "modo voz" ;) Acho que seria legal, até que venha nosso programa no GNT, rsrsrs #ficadica

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Cristiana Beltrão

Esse blog surgiu da necessidade de organizar dicas de restaurantes, paradinhas, bares, mercados e bebidas ao redor do mundo para os amigos. De quebra, acabei contribuindo para jornais e revistas Brasil afora. Espero que gostem.