Mudaram as Estações, e nada mudou...






[Texto publicado especialmente para a Revista da Travessa]

Enquanto circulo pelo salão, clientes habituais se debruçam sobre os pratos, tentando constrangidamente escondê-los de mim. Com um olhar de quem estava roubando o biscoito, explicam: “Eu tento, mas não consigo mudar! Já saio de casa sonhando com isso!”.

Quem não é do ramo, desconhece que esta é a regra, não a exceção. A menos que esteja em férias ou em ocasiões especiais, a maioria de nós busca a segurança naquilo que come. E confesso que o fenômeno acomete, igualmente, meu apetite: dos 365 dias do ano, somente em uns 50 meu estômago desperta com espírito aventureiro. Nos demais, sonho com as deliciosas mesmices que cruzaram meu caminho.

O lado perverso do “samba de um prato só” não está na falta de trilha original, mas na variável que desafina o ingrediente: a Estação.

Garanto que o leitor, em suas aventuras caseiras, elaborou exatamente a mesma receita ao longo do ano e atribuiu as dissonâncias unicamente aos seus tropeços como cozinheiro. Nem sempre. O fim da safra empalidece o ingrediente, desequilibra suas receitas e, de quebra, suas finanças.

Caminha, ao relatar que no Brasil “em se plantando, tudo dá”, omitiu a segunda parte: “dá... mas metade do ano está feio, seco ou azedo”. Tomate só fica bom lá pra dezembro, e por uns 3 meses, com sorte. Por puro capricho, queremos spaghetti ao sugo e salada de alface com tomate o ano inteiro, e forçamos a produção fora da safra.

A geografia, essa megera, também não perdoa. Em vez de adotarmos as frutas, legumes, e peixes nativos no nosso dia a dia, queremos aqui os pálidos exemplos daquilo que vimos na Europa. Lindos morangos enfeitam as mais variadas tortas de janeiro a dezembro, mas só conservam a doçura por dois meses no fim do Inverno, e ainda assim, nada comparáveis aos morangos de países frios. O resultado? As versões congeladas abundam enquanto os bolsos afundam.

Nada contra as culturas não nativas que se tornaram espontâneas como banana, coco ou manga, mas devíamos estar nos entupindo de sapucaias, grumixamas e caraguatás, genuinamente cariocas. Nunca ouviu falar? Pois é...

Houve um cliente que ameaçou fazer um banzé pela falta de um prato de camarões. Quando ensaiei argumentar sobre a entressafra, ele respondeu: “Vou várias vezes ao no Fulano de Tal (estrelado parisiense) e como camarões o ano inteiro!”. Esse, infelizmente, é um exemplo comum de consumidor equivocado, auto proclamado exigente.

Jamais me esqueci de um “prato do dia”, descrito na lousa, com ingredientes da estação que comi no Sul da França. Era uma massa com limões de Menton (os melhores) e manjericão colhido no ato. A preparação não podia ser mais simples ou barata, mas no auge da safra os ingredientes estouravam na boca como adolescentes, vibrantes e em seu ápice, e fizeram de uma “bobagem” um prato inesquecível.

Somos um país de dimensões continentais, com cultura da abundância e hábitos errados enraizados no nosso dia a dia. Pelo bem do seu estômago, seu bolso e sua boca, em sua próxima aventura gastronômica, prefira os produtos da vez. Eu garanto: por mais curioso que possa lhe parecer, você ainda vai se apaixonar por um inhame.


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Cristiana Beltrão

Esse blog surgiu da necessidade de organizar dicas de restaurantes, paradinhas, bares, mercados e bebidas ao redor do mundo para os amigos. De quebra, acabei contribuindo para jornais e revistas Brasil afora. Espero que gostem.