Estava a caminho de um restaurante em Londres, quando o
título do romance de Jane Austin, reeditado na minha cabeça em versão
gastronômica, me ocorreu: Orgulho e Preconceito.
De um lado, o orgulho excessivo de alguns chefs, que transborda
em pequenas pistas: um menu degustação fixo, sem escapatória à la carte; excesso de informações na
apresentação de cada prato, ambiente espartano; paredes sem adornos e, por fim,
a falta de música. Tudo isso implora: “Olhem para a comida! Só isso interessa.”. Será?
Na outra ponta, conheço muita gente que frequenta excelentes restaurantes
para matar a fome, encontrar os amigos, ver gente bonita e ambiente, idem. Não
correm atrás do que acabou de abrir, não têm o mínimo interesse em comer nada
fora do comum, e detestam explicações sobre o processo ou procedência dos
ingredientes. Qualquer coisa gostosa que ocupe o vazio do estômago e não atrapalhe a conversa, “tá valendo”.
Menus degustação são como mães que escondem beterraba no
feijão. Chefs sabem que alguns pratos que traduzem a sua alma, não são pedidos por terem ingredientes que os clientes consideram 'suspeitos'. O jeito é entubá-los como uma das etapas do menu fixo. Tal qual o filho enganado,
uma vez que o comensal desconfiado os prove em meio a outros sabores com os quais
está habituado, entenderá o recado e fronteiras se abrirão em seu estômago.
A questão é que não acredito neste
modelo como única opção disponível. Raras são as vezes em que um grupo de 4 pessoas acomoda tudo: sabores, ingredientes, preço e tamanho do cardápio, sem que
alguém saia frustrado. Menus
degustação requerem disposição para a aventura ou um momento especial e, na
minha humilde opinião, quanto menores, melhor.
E lá estava eu, a caminho do restaurante, com um certo desânimo ao saber que encararia mais um cardápio fixo. Felizmente, no THE CLOVE CLUB, conseguiram escrever o capítulo Orgulho sem que o epílogo seja o inevitável
Preconceito, que empresta aquela preguiça de voltar.
A casa, que começou com um menu fixo de 10 pratos (era muito
orgulho), hoje oferece – além dele – uma opção de 5 no jantar e, ainda, uma
versão “pocket” de 3 etapas, no almoço. E mais: se você escolher se sentar no
bar, pode experimentar qualquer prato, à la carte. Ufa.
Tentadoras pernas, coxas e linguiças de carnes diversas são curadas num pequeno quarto azulejado à mostra, logo na entrada do restaurante, instalado na antiga prefeitura de Shoreditch. Felizmente, para matar logo o desejo, a linguiça de porco mangalitsa (que piscou pra mim na entrada), pode ser pedida na largada.
Canapés deliciosos, cuja explicação se perdeu quando o sabor roubou a atenção do garçom.
Ho ho ho!
E o primeiro prato foi um tartare de truta irlandesa com algas picadas,
cebolinhas e limões Bachès (família que cultiva os cítricos mais famosos da França).
Muito delicado.
Em seguida, vieiras escandalosamente boas da Ilha
de Orkney (norte da Escócia), são servidas cruas com cubos gelificados de dashi com tinta de lula
e tangerina. Sabores "arredondados" com avelãs e trufas discretas. Incrível.
O tamboril vinha com batatinhas jersey royals e abobrinha
recheada com alcaparras e azeitonas.
Raspas de laranja confit fizeram vibrar o prato de
cordeiro da Cornualha - com ponto perfeito - acompanhado por acelga, cebolinhas e abobrinha branca.
Limpando a boca, uma sorvete de limões de Amalfi com toque
de pimenta sarawak, que me encantou mais do que a sobremesa.
Por fim, laranjas sanguíneas com mousse de leite de ovelha e
granita de funcho selvagem.
Cheguei ao fim da refeição, e da "leitura" do THE CLOVE CLUB, muito feliz. Sem dúvida, um romance que vale a pena e promete entrar na lista dos best-sellers.
THE CLOVE CLUB
www.thecloveclub.com
Shoreditch Town Hall, 380 Old Street, London
+44 20 7729 6496
segunda, das 18hs às 23:30hs
de terça a sábado, de 12hs às 14hs, das 18hs às 23:30hs
fechado aos domingos
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