O porcu nustrale de cada dia - Bonifacio, Córsega

Porco nustrale, orgulho corso


Quando perguntei a um mestre queijeiro qual era seu queijo preferido, respondeu com uma das sobrancelhas em pé, assim como quem ouve um evidente absurdo: "queijos são como sapatos; há os que lhe servem, há os que não.". 


[Me emprestou a melhor resposta da vida, para queijos ou pessoas]


Me apaixonei pelo brocciu já na primeira refeição que fiz na Córsega. Não, não sou facinha... Veio todo sedutor, com uns pingos de azeite sobre tomates cuore de bue, que - todos sabemos - são plantados por anjos de bochechas rosadas ou uma agricultora que se move em câmera lenta, de cabelos esvoaçantes, tal qual a Vênus de Botticelli. Não são desse mundo, aqueles tomates, e trazem uma doçura incomparável no Verão. Mas divago...


Brocciu é queijo emblemático na ilha, feito com o soro do leite coalhado e leite de ovelhas, com cura que raramente passa de 48 horas. É etéreo, fresco e se desmancha na boca (a mesma que transborda de saliva, agora, com a lembrança). Pelo equilíbrio entre leveza e personalidade, me serviu perfeitamente, tal qual sapatinho de cristal à Cinderela.


Comi, do início ao fim da viagem, com prizutto, lonzo, coppa... Sim, os embutidos da Córsega têm nomes muito parecidos com os nossos. O dialeto, aliás, especialmente o falado no norte da ilha, é oralmente muito mais próximo do português do que do italiano, ‘parlado’ ali do lado. Adorava começar uma conversa com "cumu và?" e, quando não entendia nada, mandava um "pudete ripetela?".


Meu embutido preferido, no entanto, foi o delicioso figateddu (ou figatellu, no norte), feito com a carne e o fígado do porco, cozidos. Importante dizer que só é fabricado – achei poético – da primeira à última neve do Inverno. Os disponíveis em outros meses do ano são feitos com porco importado, para o qual a maioria dos corsos torce o nariz. Figateddu (ou figatellu) bom mesmo é fabricado com o “nosso” porco preto, ou porcu nustrale, orgulho corso que ainda é preparado da forma tradicional e sobreviveu à mistura de raças usada na criação de escala industrial.


Sim, porco é porcu; me chamo é mi chjamu, o papo está muito bom, mas antes que o post fique un pocu longo, me despeço desejando un bon appetitu.



1 comentários:

 

Cristiana Beltrão

Esse blog surgiu da necessidade de organizar dicas de restaurantes, paradinhas, bares, mercados e bebidas ao redor do mundo para os amigos. De quebra, acabei contribuindo para jornais e revistas Brasil afora. Espero que gostem.