A musa do banco de trás

 

A vista que coube na janela, em meus 15 minutos de musa


Era balcar, o rapaz. Sim, da Cabárdia-Balcária, divisão da federação russa. Conversávamos pelo retrovisor. Na minha versão amalgamada de testa, sobrancelha, um nariz eventual e queixo avistado do banco de trás, ele parecia bonito, de um jeito feminino. Existem apenas 90.000 de nós, disse. Invejei a exclusividade. Vim pra Nova York tentar a vida como cantor, ator. Ator com meu sotaque é difícil; só consigo papéis étnicos. Você faz o quê? Estou aqui para achar representantes. Falei dos restaurantes, da indústria. Não tem o encanto que parece, Brasil está um horror, minha chance é aqui. Mas começou do nada? De onde sempre se começa... Mas você persiste! Que jeito? É pura teimosia: disseram que eu não podia, fui crescendo de birra; sou dessas. Já pensou em desistir? Todos os dias. E como consegue seguir? Falei de mim, das coisas que fiz, do que espero, da gente que me cerca. A conversa resgatou uns sonhos, ressuscitei um quinto surrado de alma, joguei nele. Puxa, você me inspira! Hoje, logo hoje, três anos tentando, pensei em desistir. Quis voltar pra casa, pros meus pais que esperam todos os dias “a ligação”: "venci em Nova York!". Hoje, não aguentei. Foram muitos nãos, muitas portas na cara. Ia parar amanhã, mas nosso papo renovou minha fé. Você não tinha experiência e foi atrás do sonho! Imagine, não foi bem assim... E eu acredito em destino. Você tinha que entrar no meu carro e dizer essas palavras. Apareceu hoje pra me fazer perseverar, tentar ganhar dinheiro com minha música, minha paixão! Meu "single" chegou ao primeiro lugar na rádio de minha cidade, mas aqui a concorrência é muito grande. O menino cresceu em mim. Me aceitei musa. A alegria era transmissível, palpável. Não desista!, eu disse. É isso! Sou feliz, apesar de tudo. Tente sua música e não ouça demais os outros. Não exponha seus planos porque isso “volta”. Volta em cobrança, volta em gente perguntando se conseguiu, volta com frustração. É isso, ele disse. Obrigado, obrigado. Tínhamos um laço inquebrantável. Você não sabe o bem que me fez! Posso colocar meu single pra você ouvir? Claro! 

Começa a música.

Um.

Dois. 

Três minutos. 

Chegamos. 

Ele era péssimo. O que foi que eu fiz? 

Dei 5 estrelas à corrida e um suspiro resignado.



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Cristiana Beltrão

Esse blog surgiu da necessidade de organizar dicas de restaurantes, paradinhas, bares, mercados e bebidas ao redor do mundo para os amigos. De quebra, acabei contribuindo para jornais e revistas Brasil afora. Espero que gostem.