Ajuste seu foco - CARBONE



Apesar da reserva confirmada e da mesa pronta, a recepcionista me pediu que aguardasse uns instantes no bar. Confusa e obediente, me espremi por entre os clientes até o único cantinho disponível. Prendi o fôlego e aderi à parede – costas e cabeça – apara evitar que as bandejas passantes esbarrassem no meu nariz.

A parada no bar não foi encomendada à toa: onde há tumulto, há a sensação de sucesso. Enquanto aguardava a mesa, a turma do primeiro salão do CARBONE coreograficamente me escrutinava – sapato, bolsa e membros – e, após o raio X, mergulhava de volta na conversa e nos pratos.

Escoltada pelo garçom, descobri minha reserva num salão dos fundos que “aconteceu” inesperadamente depois de um corredor que parecia levar à cozinha. De todos os ambientes, o mais simpático. A luz baixa e os salões sucessivos com tijolinhos pelas paredes e azulejo hidráulico, me lembravam o Minetta Tavern.

Como já foi dito nos jornais, o local tem um quê de reduto gângster dos anos 30. Intimamente esperava que Michael Corleone saísse do banheiro e atirasse no rapaz que estraçalhava uma costeleta de porco, exibindo dentes mais recheados que o prato, enquanto dava sonoras gargalhadas.



A música ia de rock dos anos 70/80 até clássicos de estilo ou época quaisquer. Concordei com minha companheira de mesa que disse:
“Lugar... alta... obriga... parece... ado, né?”
“Hein?”
“Lugar que tem música alta, obriga todo mundo a falar alto e parece animado, né?” – repetiu, ajustando seus decibéis alguns pontos acima.

Focaccia com 
alho e pomodoro...
Timos...

Peixe...























O garçom mais simpático e eficiente do mundo era Luis, um português, que com voz de barítono e roupa de apresentador circense trouxe couve-flor crua com pimenta e limão, além de uma linda focaccia com alho. Todos os ingredientes do couvert, do grana padano legítimo ao finíssimo presunto cru, estavam deliciosos.

Os pratos são imensos e convidam os clientes a comer com as mãos. Fomos de sweetbreads e clams (podia ser nome de banda...). Meus timos não foram os melhores que comi; estavam secos e inexpressivos. As amêijoas, cobertas com uma boa camada de sotaque americano, vinham em 3 versões: com lardo, ouriço e farofa de salsa. Pedimos também um peixe um tanto sacrificado pela grelha, além de uma torta de limão e um tiramisú. Antes que pudesse refletir se a cozinha pretendia alçar grandes vôos ou não, meu foco se voltou para os Iphones que apontavam para o hip-rapper-hopper-Jay-Z.

Entre o público, bonito e animado, o serviço, simpático e eficiente, a distância inexistente entre as mesas que faz do vizinho o seu melhor amigo, a música e as personagens, ficou difícil focar na comida. Assim é o CARBONE, a caricatura americana do que um restaurante “clubista” deve ser. Ajuste o foco... você vai querer voltar.

CARBONE
carbonenewyork.com
dos mesmos donos do Torrisi Italian Specialties
181 Thompson St, Greenwich Village - New York
entre Bleecker St and W Houston Sts
212-254-3000
Diariamente das 17:30hs à meia-noite








2 comentários:

  1. Hahahahahahaha, adorei o texto. Deu pra entender bem a experiência no ambiente maio louco do lugar.
    Eu, particularmente, me irrito em lugares assim. Gosto de lugares aconchegantes mas sem muito estardalhaço, pq o foco pra mim é a comida, sempre!
    :-)
    Bjos

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    Respostas
    1. O ambiente nem é tão louco. É bem gostoso até. O que é fora da zona de conforto é mesmo a música, Maysa! :)

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Cristiana Beltrão

Esse blog surgiu da necessidade de organizar dicas de restaurantes, paradinhas, bares, mercados e bebidas ao redor do mundo para os amigos. De quebra, acabei contribuindo para jornais e revistas Brasil afora. Espero que gostem.