Ressublimando - Ember Yard, Londres.



Entrei no EMBER YARD sozinha, cena comum nas viagens a trabalho, já sofrendo pelos segundos que sucedem o anúncio de minha reserva “para um”.

Há duas fortes possibilidades quando se está só: ser colocada na mesa horrível que ninguém quer – porque reclamação de uma pessoa enche menos do que a de duas – ou numa mesa em que eu seja o foco de toda a casa, o que sempre faz aflorar meu lado tímido. Felizmente, como toda regra tem sua exceção, fui abraçada por uma pequenina, de canto, com estratégica vista para todo o salão.

Troquei de lugar comigo mesma, até o outro assento na mesa, para espiar a janela aberta para a cozinha e o coração do restaurante: uma cesta na qual alimentos eram colocados e convidados a descer fornalha abaixo, a ponto de quase beijarem o carvão em brasa.


A brasa, que batiza a casa, fez do seu perfume meu companheiro de mesa. Sua “presença”, de início, me incomodou bastante. Cabelos e roupas eram defumados aos poucos, e a fumaça se interpunha entre os aromas do meu vinho e eu, como um chato que interrompe a conversa. Depois do breve desconforto inicial, no entanto, a história foi outra nesse ótimo bar de tapas italianas e espanholas.


Confesso que, já há alguns dias na terra do “nose to tail”, sentia falta de pratos de peixe, item bastante escasso nas cartas da capital. Ali, vi várias opções. Fui de carpaccio de “seabream” (defumado, claro) com sementes de romã, brotos de coentro e bottarga. Muito bom.


Em seguida, uma abóbora-cheirosa (sem trocadilho), primeiro defumada e depois grelhada, com pingos de coalhada de cabra e compota de uvas, me fez gemer.


Encerrando os salgados, coxa de frango com morcilla, ‘ajo blanco’ e amêndoas, mas queria mesmo era ter companhia menos 'volátil', para dividir o imenso porco inteiro que se desmanchava diante de um grupo de quatro, na mesa ao lado.



Sempre achei semifreddo uma sobremesa meio “em cima do muro”. Essa coisa de não ser quente ou fria, com textura igualmente indecisa, me enlouquece, mas quando “em cima do muro” é prova de equilíbrio, o resultado pode ser fantástico. Esta versão, de apresentação despretensiosa, levava favo de mel e tangerinas caramelizadas, com consistência entre sorvete e mousse, e perfeito equilíbrio entre acidez e doçura. Das melhores da viagem.

Antes de sair, um mundo novo se abriu a caminho do banheiro, no subsolo. Num bar badalado, com jeito de pub, gente linda se aglomerava em torno de uma perna de presunto ibérico no balcão, que tentou me seduzir e me fez querer voltar, mas já era hora de acabar a brincadeira.

Passei a refeição queimando meus parcos neurônios a fim de lembrar dos tempos de escola e do nome dado à passagem do estado gasoso para o sólido. RESSUBLIMAÇÃO era a resposta que eu precisava, para transformar fumaça em divinas tapas, evaporando um detalhe incômodo e solidificando a percepção de uma sublime refeição. Um lugar que vale a lição.

EMBER YARD
www.emberyard.co.uk
60 Berwick Street, London W1F 8SU
00 44 20 7439 8057
de segunda a sábado, de meio-dia à meia-noite
aos domingos, de meio-dia às 23:30hs.






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Cristiana Beltrão

Esse blog surgiu da necessidade de organizar dicas de restaurantes, paradinhas, bares, mercados e bebidas ao redor do mundo para os amigos. De quebra, acabei contribuindo para jornais e revistas Brasil afora. Espero que gostem.