O nome dos bois


Ontem foi dia de mato.

Morreu um bezerro, envenenado. Foi achado estendido num canto, com umas folhas de coerana na boca. À tarde, um tucano engole dois passarinhos na minha frente. Da fazenda vizinha, tive a notícia de que uma criança de 5 anos morreu picada por um escorpião. No fim do dia, uma vaca quebra a perna e morre tentando beber água no açude, quase vazio com a seca. 

Agora é fazer uma limpa nas plantas tóxicas do pasto, checar jardim e reboco da casa catando bichos peçonhentos, cavar um poço artesiano e combater a cada dia novos medos, do jeito que der.

Não era pra eu ser fazendeira. Foi o AVC de minha mãe que me sentou nessa cadeira. 

Sempre fui como visitante, desde os tempos em que meus pés pareciam quibes e tinha o urbanismo romântico de batizar os bichos. 

Aos 8 anos, quem sabe, vi matarem Demétrio. Eram gritos horríveis e sofridos, os daquele porco. Meus olhos vazios ficaram grudados na janela do quarto e nunca me esqueci. À noite, escorreguei meus dedos pela tripa sebosa, enchendo linguiça, como de costume. Até então, achava, uma coisa não tinha nada a ver com a outra; linguiça era brinquedo e vinha de Marte. Ali, mudou.

Também não devia ter visto Dona Laura com suas pernas varicosas correndo pelo quintal, galinhas aos berros. Catou Isolda, a mais lerda, quebrou-lhe o pescoço, deitou a bicha quieta e degolou-a sobre a bacia, no chão da cozinha. Até então, eu menina raspava sem dó a travessa lambuzada de um eufemismo chamado molho pardo. 

Quando uma pangaré, que minha filha chamava de Princesa, morreu por conta de uma picada de cobra, Carolina chorou inconsolavelmente. Guedes, uma vida na fazenda, falou que bicho mata bicho, também pode matar a gente e a gente também mata bichos. Então, virou as costas e não fez muito daquilo. 

Com o tempo, aprendi que galinha, cavalo e bezerro só ganham apelido quando são mais inteligentes que o homem: quando se escondem no pasto, planejam fugas, bicam, não amansam, empinam, dão coice, cabeçadas, atacam.  

Na roça, ninguém dá nome aos bois. 

Já a cachaça, a branquinha, mé, mió-num-há, marvada, animadeira, essa tem todos. 

A gente se apega ao que pode.


2 comentários:

 

Cristiana Beltrão

Esse blog surgiu da necessidade de organizar dicas de restaurantes, paradinhas, bares, mercados e bebidas ao redor do mundo para os amigos. De quebra, acabei contribuindo para jornais e revistas Brasil afora. Espero que gostem.