- Qual o seu nome?
- Pasang. Quer dizer "sexta-feira".
Achava que a corrida rumo à reunião em New Jersey seria tediosa, até engatar uma conversa com o motorista nepalês, com nome de personagem de Robinson Crusoé.
No Nepal, os Sherpa (shar = leste, pa = povo) não têm sobrenome. Todos têm Sherpa como nome de família e o de batismo vem do dia em que nasceram. "Você deve imaginar que tenho muitos amigos chamados sexta-feira...", disse com sorriso encabulado de quem já sofreu muito bullying.
Segundo Pasang, a comunidade sherpa já tem 600 pessoas, só em Nova York, e anda em torno de 2.000 nos EUA, sendo que a população mundial estimada é de apenas 150.000.
Sente falta de duas coisas: do emprego e da comida.
Como todo Sherpa, era escalador de elite e, a partir de sua cidade natal, a 3.000 metros de altitude, a rotina consistia de pequenas escaladas de 4 dias a um mês, ajudando a turistada a subir o Everest, entre outras missões. Eram 7 meses no sobe e desce e outros 5, descansando junto da família.
Em NY, acha quase todos os ingredientes que usava para cozinhar em sua terra, mas tem saudades de um rabanete marrom tão forte que o fazia chorar, e também da carne de iaque. Como budista, é quase vegetariano, mas vez por outra visitava um mercado "de hindus que matam" e comprava um filé de 400gr, que era toda a carne que sua família precisaria por um mês. O talho, então, era posto a secar, guardado na neve e traçado aos poucos, com um belo curry de legumes. "Imagine minha surpresa quando vi os novaiorquinos comerem um sirloin steak inteiro em apenas uma refeição".
“Aqui, comemos muita ‘junk food’. Meus filhos sobem dois lances de escada e já estão cansados. No Nepal, vivemos muito, temos uma alimentação saudável e nossa pressão arterial é bem baixa." E, continuando a conversa entre os olhos, pelo espelho: "Americanos, hoje, só falam em orgânicos, mas a agricultura no Nepal sempre foi orgânica. Alguns fazendeiros amigos decidiram comprar fertilizantes na Índia para aumentar seus rendimentos. Em dois anos, estragaram o solo e o gado adoeceu. São muito pobres e ignorantes. Não sabiam o que estavam fazendo. Espero que não fiquem doentes, como os Estados Unidos estão."
Esteve em seu país por ocasião da morte da mãe, no ano passado. Morreu (vejam só) aos 92, ainda trabalhando, e subindo e descendo 2.000 metros a cada duas semanas para visitar as filhas. “Se tivesse se cuidado, teria vivido até os 105, como minha avó, que ainda trabalhava na terra.”
Pasang foi parar em NY quando o governo tentou recruta-lo, durante a revolução comunista de 96. Fugiu com a mulher e dois dos seus 3 filhos, então com 3 e 6 anos de idade: "Eu sou budista. Nós não matamos. Era impossível, impossível ficar." E continuou: "A maioria das religiões prega coisas boas. São só diferentes meios de rezar e diferentes caminhos para o mesmo fim: a morte. Quando a religião se mistura com a política, a morte chega mais cedo."
Fiquei com a frase do rapaz na cabeça, tão simples, tão verdadeira, e pensei no rumo que estamos tomando no Brasil e no Mundo. Aproveitei a simplicidade budista, confiei no cara no leme e foquei no iaque.
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